31 de outubro de 2010

Henrique Sousa escreve no seu Blogue a propósito da Conferência Sindical Internacional...

O capitalismo globalizado e comandado pelo sistema financeiro e as profundas mudanças políticas no final do século passado exigem a profunda revisão e renovação dos modelos sindicais e uma atenção maior à dimensão europeia e global da unidade de acção dos trabalhadores. Essa unidade de acção é hoje incompatível com a manutenção de blocos político-ideológicos no plano sindical, à escala mundial, que reproduzem alinhamentos passados, conceitos ultrapassados e equilíbrios geopolíticos desaparecidos.

O debate do contributo da CGTP, com o seu sindicalismo combativo e os seus valores próprios, para o fortalecimento da Confederação Sindical Internacional (em que a sua maioria interna recusou a filiação) e para a unidade de acção europeia e global, tem por isso que continuar. O isolamento ou o alinhamento com um “cadáver adiado” como a FSM não é caminho nem tem futuro e serve apenas visões instrumentais e partidárias do sindicalismo, que são parte legítima da história do movimento operário, mas não respondem aos desafios e problemas actuais. Tais visões perderam sentido e eficácia na representação do trabalho face à mudança qualitativa do capitalismo.
 
O capitalismo mudou nas três últimas décadas

Deixou de assentar na economia real e na coligação entre capital industrial e capital financeiro (bancos). Passou a ser comandado por um sistema financeiro globalizado (fundos especulativos, bancos de investimento, agências de notação, paraísos fiscais, etc.), instalado na liberdade de circulação de capitais, que subordina e manipula a economia real, que instrumentaliza e rentabiliza eficazmente as novas tecnologias de informação ao serviço duma economia de casino, que ameaça de modo predatório a sustentabilidade do planeta, que alterou profundamente a organização do trabalho e desequilibrou a relação de forças sociais. 
A narrativa deste capitalismo “renovado”, pretensamente não ideológica, é o neoliberalismo, que procura fundir-se com os sistemas políticos demoliberais, corroendo-os por dentro, reduzindo a democracia a modelos formais, destruindo o compromisso social do pós-guerra que legitimou o chamado Estado Social e privilegiando crescentemente poderes fácticos não eleitos e incontrolados. As leis da oferta e da procura, da formação dos preços e a “mão invisível” dos mercados, de que falou Adam Smith, não funcionam do modo que foi teorizado pelo liberalismo do século XIX nos mercados financeiros e no capitalismo especulativo do século XXI.
E os sindicatos?

Os sindicatos e os trabalhadores, permanentes, precários ou desempregados, precisam de responder a esta profunda mudança qualitativa renovando práticas, orientações, modelos organizativos, modos de representação de um mundo do trabalho agora mais complexo e mais fragmentado, rompendo com modelos burocratizados de sindicalismo, sustentados ou num discurso radical-conservador ou num discurso negocista, diferentes, mas ambos conformados de facto com o statu quo. É mais que tempo de ousar questionar criticamente os modelos sindicais praticados no século XX antes da emergência e domínio do modelo de capitalismo global neoliberal.

Esta reflexão e esta busca de respostas novas têm que ser feita dentro e fora do movimento sindical. De baixo para cima e de cima para baixo. Fundindo a experiência e o activismo laborais com a contribuição dos investigadores sociais que não se deixaram aprisionar no pensamento único neoliberal dominante nas universidades. Em nome da emergência de um sindicalismo autónomo, combativo e transformador, que saiba proteger o melhor da herança histórica do movimento operário dos séculos XIX e XX, mas que saiba alargar a representação e construir novos modelos de solidariedade e de acção colectiva na mobilização social, na negociação colectiva e na relação com os sistemas políticos e com os actores partidários.
O 40º aniversário da fundação da CGTP-IN, que ocorre este ano, parece constituir, neste domínio, uma oportunidade perdida. Certamente restará dessa celebração um esforço valioso de registo e testemunho sobre a sua história e a sua fundação. Mas seria certamente exigível que a mais representativa, histórica e combativa central sindical assumisse corajosamente o questionamento crítico dos recuos na sindicalização e participação, das ineficiências, dos bloqueios e dificuldades do sindicalismo contemporâneo. Em nome do seu futuro.
Os ventos não sopram porém nessa direcção. A sua maioria política privilegia o conforto situacionista do controlo de um aparelho instalado à ousadia de abrir portas e janelas para um debate estimulante e aberto com os trabalhadores e a sociedade sobre o sindicalismo que é preciso para enfrentar este capitalismo global, errático e predador.
Haja quem questione e desbrave novos caminhos!
Há uma inexorável transição em curso de gerações de sindicalistas e outros activistas do mundo do trabalho. Importa que todos quantos são portadores da experiência e de saberes alicerçados num combate generoso de décadas e compreendem a necessidade da renovação e revitalização das organizações de classe dos trabalhadores, nas suas práticas, nas suas orientações e nos seus actores, não desistam, aqui e agora, de investir urgentemente, em conjunto com as novas gerações de trabalhadores precários, numa reflexão crítica partilhada que abra novos horizontes ao sindicalismo e assegure umas passagem sólida de testemunhos e de valores.  Para impedir uma passagem de testemunho viciada. Para que sindicatos e Estado Social não se convertam a prazo em instituições residuais ou desvalorizadas pelas gerações futuras, mas sejam parte valiosa das suas vidas, dos seus combates e do seu futuro.
Isto implica certamente assumir, para muitos activistas e outros estudiosos do mundo do trabalho, escolhas morais e sacrifícios pessoais, incompreensões e riscos face aos aparelhos instalados de poder e aos dogmas sacralizados e frequentemente desligados do real. Implica dar o corpo ao manifesto onde é preciso, como na greve geral de 24 Novembro, mas não abdicar da reflexão crítica capaz de abrir caminho a um novo sindicalismo autónomo e combativo, capaz de combinar a mobilização social com mais eficácia negocial e na relação com o sistema político. Não esquecendo que, no processo histórico, as minorias críticas foram sempre o fermento e a semente portadores das mudanças libertadoras e transformadoras.
Conferência Sindical Internacional convocada por 12 sindicatos para 6 de Novembro, em Lisboa, e todas as iniciativas que estimulem este debate e esta busca urgente de novos caminhos para dar aos sindicatos mais eficácia e mais capacidade de representação do mundo do trabalho nos mais duros combates que se avizinham, são, por isso, bem-vindas.

24 de outubro de 2010

Intervenções da Conferência Sindical Internacional 2009 em livro...

Numa altura em que está prestes a realizar-se a edição de 2010 da Conferência Sindical Internacional, as intervenções que ocorreram na Conferência de 2009, podem agora ser lidas no livro que foi apresentado recentemente, "Internacionalismo Sindical em Portugal" que poderá ser encomendado através do e-mail: conferencia.s.internacional@gmail.com, ou levantado junto dos Sindicatos organizadores desta Conferência.